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A falácia da modernização trabalhista

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    Admin
  • 17 de jul. de 2017
  • 7 min de leitura

O Senado Federal definiu o futuro de milhões de trabalhadores brasileiros, estejam eles empregados ou não. Aprovado pela Casa Alta e sancionado pelo presidente, o Projeto de Lei da Câmara 38/2017 modifica drasticamente as relações de trabalho no Estado Brasileiro, destruindo o alicerce protetivo do Direito do Trabalho.

Antes de tudo, a então chamada "Minirreforma Trabalhista" foi encaminhada pelo Governo Federal à Câmara dos Deputados, sob o nº 6.787/2016. Ela propunha a alteração de tão-somente sete artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de alguns dispositivos da Lei nº 6.019/1974. Até então, resumia-se em propostas de alterações nas regulamentações do trabalho a tempo parcial, da representação dos trabalhadores nas empresas, do trabalho temporário e na instituição da possibilidade de as negociações coletivas feitas pelos sindicatos reduzirem direitos de trabalhadores das respectivas categorias.

Ocorre que, em sua tramitação pela Câmara dos Deputados, o projeto foi inflado e hipertrofiado, passando a ter um potencial devastador para o atual sistema de proteção do trabalhador. "Apenas" sete artigos viraram quase cem, com mudanças profundas na principal lei trabalhista brasileira em matéria de direito individual, coletivo e processual do trabalho, quase em sua totalidade. Com o viés de reduzir significativamente as garantias protetivas do trabalhador e beneficiar empregadores sonegadores e descumpridores de direitos trabalhistas.

Governo Federal e parlamentares defensores da reforma afirmam que ela tem como principais objetivos a criação de empregos, a consolidação de direitos e o incremente de segurança jurídica nas relações de trabalho. No entanto, pela experiência e expertise da atuação dos membros do Ministério Público do Trabalho em todo o território nacional no combate a irregularidades trabalhistas, temos a plena convicção de que essa reforma, na realidade, aumentará os níveis de desemprego, diminuirá a qualidade dos empregos, reduzirá direitos, fomentará o descumprimento da legislação trabalhista e, por fim, aumentará a insegurança jurídica nas relações.

O PLC 38/2017 segue uma lógica extremamente perversa:

a) ao invés de combater o descumprimento da legislação trabalhista, dificulta o acesso à Justiça pelo trabalhador;

b) ao invés de buscar a prevenção de acidentes do trabalho, limita as indenizações por dano extrapatrimonial (moral, estético e existencial) requeridas pelas vítimas ou familiares;

c) em nenhum momento o projeto garante alguma regra para manutenção dos empregos daqueles que já estão empregados.

A proposta cria um "cardápio" de contratos precários, que facilitam a redução da proteção social dos trabalhadores brasileiros, sobretudo, dos direitos previstos no artigo 7º da Constituição Federal. Além disso, fomenta a mera substituição dos contratos de trabalho a tempo indeterminado (com mais proteção e mais direitos) por contratos fraudulentos, temporários e por contratos de trabalho em que o empregado pode receber abaixo do salário mínimo mensal.

Cabe lembrar que um dos principais argumentos utilizados por aqueles que defendem sua aprovação é a criação de inúmeros empregos, reduzindo os atuais índices de desemprego no País. Assim, a medida retiraria da informalidade milhões de trabalhadores brasileiros. Nada mais falacioso!

A proposta atual tem potencial de reduzir drasticamente os níveis de emprego formalizado. Fomenta fortemente a prática de fraudes nas relações de trabalho, com objetivo espúrio de afastar o vínculo de emprego formal. Sua consequência inevitável é o esvaziamento e a sonegação de praticamente todos os direitos trabalhistas fundamentais previstos no artigo 7º da Constituição.

E isso acontecerá, sobretudo, a partir do incentivo a fraudes na utilização de falsas pessoas jurídicas e falsos trabalhadores autônomos que, em realidade, seriam empregados e que, por isso, deveriam ter preservados os direitos.

As propostas de alteração trazidas para o artigo 442-B da CLT instituem a figura do "trabalhador autônomo exclusivo e contínuo", prestando serviço a um único tomador do seu trabalho e com habitualidade. Já a alteração do artigo 4º-A da Lei nº 6.019/74 possibilita que trabalhadores criem "pessoas jurídicas individuais" para prestar serviços em todas as atividades das empresas, inclusive na atividade principal. As duas mudanças permitirão que empregados com carteira de trabalho assinada, sejam demitidos e recontratados ou substituídos por falsos trabalhadores autônomos e por falsas pessoas jurídicas, prestando o mesmo serviço, mas sem vários dos direitos garantidos constitucionalmente.

Isso gerará, sem sombra de dúvida, a redução do número de postos formais de trabalho no nosso país, pois autônomos e PJs trabalham por conta própria, sem carteira assinada, assumindo os riscos do seu negócio.

E justamente por não possuírem contrato de emprego formalizado, não terão os direitos trabalhistas consagrados no artigo 7º da Constituição Federal, dentre os quais destacamos o direito a salário mínimo, férias, 13º salário, aviso prévio, FGTS, seguro-desemprego e a horas extras. Enfim, não terão a garantia de receber nenhum direito fundamental.

Com dispositivos perversos como esses, certamente não serão criados novos empregos. Ao contrário, serão reduzidos postos formais de trabalho, pois ficará muito mais fácil e barato para a empresa contratar trabalhadores por esses tipos de contratos.

Terceirização

Há, no texto, um verdadeiro estímulo à substituição dos contratos por prazo indeterminado, que têm garantias mínimas legais e constitucionais, por vínculos de empregos sem qualidade e com direitos reduzidos, como a terceirização ilimitada, inclusive na atividade principal das empresas, e a criação do trabalho intermitente.

O alargamento das possibilidades de terceirização para toda e qualquer atividade empresarial afronta diversos direitos e princípios constitucionais trabalhistas. Ao tornar a relação de trabalho trilateral, desnatura por completo a essência constitucional do contrato de trabalho. Permite, também, que haja empresas sem um único empregado que se utilizarão por completo de trabalhadores externos, com objetivos de baratear o custo da mão-de-obra e eximir a empresa real beneficiária dos serviços da responsabilidade direta pelo cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias.

Ao permitir a terceirização ilimitada, o PLC 38/2017 não teve qualquer cautela em trazer, pelo menos, garantias para os trabalhadores terceirizados, sobretudo de isonomia de direitos com o empregado da empresa tomadora de serviço. Dessa forma, oficializa o tratamento discriminatório entre empregados diretos e terceirizados.

Nem a responsabilidade solidária é garantida a este trabalhador que, se sofrer calote - o que é muito normal dentre empresas terceirizadas -, terá que acionar na Justiça do Trabalho primeiro sua empresa formalmente empregadora para só depois poder atingir o patrimônio da empresa tomadora dos seus serviços. O que, muitas vezes, demora anos.

Trabalho intermitente

Perniciosa e inconstitucional, outrossim, é a criação da figura do trabalhador intermitente. Nessa modalidade de trabalho, o contratado não tem qualquer garantia de remuneração mínima. O empregador pode, em qualquer atividade e sem qualquer limite, pedir que o empregado trabalhe, por exemplo, uma, duas, três ou quatro horas, um ou dois dias na semana, fazendo que o trabalhador tenha garantido tão-somente o valor do salário-mínimo/hora. No final do mês, essa remuneração pode estar bem abaixo do salário-mínimo mensal garantido por lei.

Essa previsão viola frontalmente a Constituição Federal, pois o salário-mínimo deve ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família. Dessa forma, esse trabalhador não poderá assumir compromissos financeiros mínimos, pois não terá a certeza de quanto auferirá de rendimento ao final do mês.

Além disso, não há qualquer dispositivo que garanta a manutenção dos atuais níveis de emprego ou limites para se utilizar mão desta contratação. Nada impede que trabalhadores como garçons, cozinheiros ou vendedores, por exemplo, sejam demitidos do contrato de trabalho a prazo indeterminado para serem recontratados como trabalhadores intermitentes.

Há de se atentar, também, para outras situações maléficas que são trazidas no projeto. Ao contrário do que os defensores alegam, vários direitos trabalhistas estão sendo retirados da CLT, a exemplo das horas de deslocamento para locais de difícil acesso. Isto atinge diretamente trabalhadores rurais e aqueles que laboram em canteiros de obras distantes dos centros urbanos.

Além disso, retira a natureza remuneratória do intervalo de descanso não concedido, que impacta nas verbas salariais do empregado, e o descanso de 15 minutos para as mulheres em caso de prorrogação de jornada. Também é grave a previsão da possibilidade de a gestante ou lactante trabalhar em locais insalubres, situação que pode trazer sérios riscos para a mulher e seu filho.

Ademais, ao instituir a prevalência da autonomia da vontade individual e coletiva, permite que trabalhadores ou sindicatos possam renunciar a direitos sem qualquer contrapartida compensatória. Com isso, o trabalhador poderá abrir mão da garantia de ter observados os limites constitucionais na sua jornada de trabalho. Com impactos negativos em sua saúde, a partir do estabelecimento da contestada jornada 12x36 para quaisquer tipos de atividade e de quaisquer formas de compensação. E, por conseguinte, em sua remuneração, pois passará a não receber horas extras nem seu consequente adicional de, no mínimo, 50% do valor da hora normal.

Gravosa ainda é a instituição do chamado negociado sobre o legislado para reduzir direitos. Os sindicatos profissionais poderão, nas negociações coletivas, renunciar a direitos dos trabalhadores por eles representados. Exemplos são a redução do intervalo de alimentação para 30 minutos para qualquer tipo de atividade e o reenquadramento do adicional de insalubridade, permitindo que trabalhadores laborem em ambientes insalubres no grau máximo mas recebam apenas o adicional relativo ao grau mínimo.

Não bastasse a criação de vínculos precários, o esvaziamento e a retirada de direitos trabalhistas e o incentivo à sonegação, a reforma cria diversos obstáculos para acesso à justiça. São exemplos desses empecilhos a cobrança de honorários periciais e de sucumbência para trabalhadores beneficiários da justiça gratuita, a necessidade de pagamento de custas para reingresso de ação anteriormente arquivada por falta do trabalhador à audiência, a instituição da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, a retirada da execução de ofício pelo Juiz do Trabalho e o engessamento do Poder Judiciário Trabalhista com a imposição de limites interpretativos para os seus magistrados e proibição de análise do conteúdo das cláusulas firmadas em convenções e acordos coletivos de trabalho.

Enfim, com um pequeno passeio sobre o teor do PLC 38/2017, pois o projeto é longo e mexe com cerca de cem artigos da CLT, verificamos que a atual proposta além de ser frontalmente inconstitucional, certamente não trará mais empregos para o nosso país, nem aumentará a segurança jurídica.

A meu ver, tem como principal efeito a precarização das relações de trabalho e o aumento da desigualdade e da concentração de renda, contribuindo para o agravamento da crise política, econômica e, sobretudo, social pela qual o Brasil passa. Oxalá permita que nossos nobres senadores tenham a sabedoria e a consciência necessárias para rejeitar esse projeto tão gravoso para a sociedade brasileira.

Fonte: HuffPost Brasil

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